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O limiar do (abu)uso (in)justificado de algemas durante a condução do preso

Por: José Gabriel Pontes Baeta da Costa


Por inúmeras vezes, a sociedade confronta-se com o dilema do uso de algemas, artifício utilizado para conter os movimentos de determinada pessoa que ofereça risco à sua integridade física ou de outrem, cuja grafia, anote-se, é oriunda do vocábulo árabe al-lijam, que significa “ferro com o qual se prende alguém pelos pulsos”.


Diz-se a existência de um dilema nesse sentido, visto que o seu uso pode causar perplexidade, indignação, comoção ou simplesmente uma sensação de tranquilidade e segurança. Qual seria, portanto, o limiar entre o uso legítimo e o abuso de autoridade com a utilização das algemas? A despeito da temática, convém abordar, por ordem cronológica, um pouco do que dispõe a legislação brasileira, selecionando alguns diplomas legais aplicáveis.


Primeiramente, o Código de Processo Criminal de Primeira Instância, promulgado nos idos de 1832, trazia em seu artigo 180 a previsão de que o “executor” (nomenclatura dada aos agentes incumbidos de executar a ordem de prisão) teria o direito de empregar o grau de força necessária para efetuar a prisão, sendo vedado este procedimento se a outra parte cooperasse, obedecesse.


Avançando no tempo, destaca-se a promulgação da Lei de Execução Penal, cujo artigo 199 dispôs que o emprego de algemas seria disciplinado por decreto federal. Convém mencionar, ainda, que o Código de Processo Penal, em seu artigo 284, adverte sobre a vedação do emprego de força durante a prisão, salvo no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.


No ano de 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou a Súmula Vinculante 11, cujo teor, sucintamente, preconiza que só será lícito o uso de algemas nos casos de resistência e de fundado risco de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia, cuja excepcionalidade do uso será dada por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente, assim como de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere.


Mesmo com a clareza da súmula em questão, a controvérsia instaurada ainda era patente, dando ensejo à posterior promulgação do Decreto 8.858/16 que finalmente regulamentava o artigo 199 da Lei de Execução Penal, após mais de 30 anos de lacuna legislativa.


Este decreto, por sua vez, faz alusão à proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana e à proibição de submissão ao tratamento desumano e degradante, princípios basilares extraídos da Constituição Federal. No mesmo sentido, possui como outras diretrizes a Resolução 2010/16 das Nações Unidas, que aborda o tratamento de mulheres presas (Regras de Bangkok); e o Pacto de São José da Costa Rica, que determina o tratamento humanitário dos presos e, em especial, das mulheres em condição de vulnerabilidade.


Assim, por toda análise legislativa até então, percebe-se que o uso de algemas será uma exceção à regra, subsistindo três situações em que o emprego deste aparato será permitido: quando houver resistência; fundado receio de fuga; ou perigo à integridade física própria e/ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros. Importa ressaltar, além disso, que a presente regra não vale apenas no momento da prisão propriamente dita, mas também nas hipóteses em que o réu preso comparece em juízo para participar de um ato processual, como um depoimento, por exemplo.


Deve-se, ainda, observar as formalidades legais para emprego das algemas, notadamente a confecção de justificativa escrita por parte do agente responsável pela prisão ou pelo ato judicial a que se refere, sendo que tal justificativa poderá ser submetida à posterior apreciação judicial.


Pelo disposto no Decreto 8.858/16, é terminantemente proibido usar algemas em mulheres presas que estejam durante o trabalho de parto; no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar; e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.


O uso de algemas fora das hipóteses permissivas já mencionadas ou sem a apresentação de justificativa por escrito, poderá acarretar a nulidade da prisão; a nulidade do ato processual no qual participou o preso; a responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade responsável pela utilização das algemas.


Portanto, fora a polêmica existente até os dias atuais sobre o suposto excesso de permissividade na lei, especialmente por intermédio dos agentes públicos que lidam diariamente com indivíduos de relevada periculosidade, certo é que a legislação brasileira é – e sempre foi – extremamente clara ao tratar da excepcionalidade do uso de algemas ou qualquer outro meio de limitação das liberdades individuais, a fim de coibir a violação de preceitos constitucionais e evitar a exposição desnecessária do preso.





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