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O ciúme, isoladamente, é capaz de caracterizar a figura qualificada do homicídio por motivo torpe?

Por: José Gabriel Pontes Baeta da Costa


O Código Penal brasileiro encontra-se dividido em duas partes: a parte geral e a parte especial. Esta última engloba as principais figuras delitivas, iniciando com os crimes contra a pessoa e terminando com os crimes contra o Estado. Conclui-se que há extrema importância atribuída à tutela da vida humana pelo legislador, de modo que a conduta consistente na extinção da vida humana – matar alguém – está capitulada logo no primeiro artigo da parte especial.


De acordo com Cézar Roberto Bitencourt, homicídio é “a eliminação da vida de alguém levada a efeito por outrem”. Para Cléber Masson é “a supressão da vida humana extrauterina praticada por outra pessoa”. “Matar alguém” representa eliminar a vida de alguém, realizando uma antecipação temporal do lapso de vida alheia. Entretanto, apesar da simplicidade do texto legal, subsistem inúmeras circunstâncias particulares que podem ocorrer na sua realização, de modo a qualificar o crime em questão.


Apenas a título de complementação, deve-se pontuar que o homicídio simples possui como pena prevista em lei a prisão de seis a 20 anos. Por sua vez, o homicídio qualificado impõe uma pena de prisão de 12 a 30 anos. Ao prever uma sanção maior ao crime qualificado, o legislador atribuiu-lhe maior grau de reprovabilidade. Quais seriam essas circunstâncias que tornam um delito cuja reprovabilidade já está inerente em algo mais reprovável ainda?


São figuras qualificadoras do homicídio: a paga ou promessa de recompensa; o motivo torpe; o motivo fútil; o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; a traição, emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. Existe, ainda, o homicídio cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, o feminicídio, assim como o homicídio praticado contra agentes de segurança pública.


As qualificadoras servem, portanto, para aumentar a já existente reprovabilidade do delito de homicídio - por suas circunstâncias e peculiaridades -, denotando uma reprimenda diferenciada, maior.


Ora, e como o ciúme estaria relacionado com as qualificadoras do homicídio? Bom, por certo tempo entendeu-se que o sentimento de ciúmes, por si só, era tido como um motivo torpe, de modo a agravar a pena, posicionamento que ainda pode ser encontrado nos dias atuais, em escala bem menor.


Convém pontuar que “motivo torpe” é aquele motivo repugnante, desprezível. Para Cézar Roberto Bitencourt, “torpe é o motivo que atinge mais profundamente o sentimento ético-social da coletividade”. Assim sendo, seria o ciúme, isoladamente, capaz de atingir o mais profundo sentimento ético da coletividade?


Para responder a essa pergunta, há o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em inúmeras decisões. Exemplificando, no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 569.047/PR, julgado em 28 de abril de 2015, a Corte decidiu que “o ciúme, por si só, sem outras circunstâncias, não caracteriza o motivo torpe”. Esse entendimento é igualmente aplicado no Habeas Corpus 198.377/SP e no Habeas Corpus 147533/MS, julgados respectivamente em 24 de setembro de 2013 e 26 de agosto de 2010.


Este último julgado, além disso, traz uma das recentes teses consolidadas na edição nº 75 da revista “Jurisprudência em Teses” do Superior Tribunal de Justiça: “cabe ao Tribunal do Júri decidir se o homicídio foi motivado por ciúmes, assim como analisar se referido sentimento, no caso concreto, qualifica o crime”. Por outro lado, essa publicação apresenta a solidificada tese de que “o ciúme, sem outras circunstâncias, não caracteriza motivo torpe”.


Independente de o ciúme representar um doloroso sentimento de posse de algo ou alguém, passível até mesmo de ocasionar um delito, nem sempre será algo repugnante, de modo a caracterizar o motivo torpe pela sua simples existência. Há a premente necessidade da análise do caso concreto por parte do Tribunal do Júri, especialmente partindo do pressuposto que diversas pessoas nutrem o ciúme sem, contudo, chegar ao cometimento de tão grave conduta ilícita: o homicídio.



REFERÊNCIAS


BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.


MASSON, Cleber. Código Penal comentado. 2. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2014.





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